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Fazia vinte anos que não pisava em Cafarnaum, e, à primeira vista, nada parecia ter mudado. Sua antiga casa permanecia intacta, embora habitada por pessoas que lhe eram totalmente estranhas, e decerto seriam a seus pais, se a tivessem acompanhado.
Tudo bem. Ela tinha onde ficar.
– Débora, que alegria te rever! – disse a velha Sara, ao abrir a porta. – Cresceste tanto, menina!
Ela abraçou a senhora e adentrou a casa. Sara perguntou sobre marido e filhos, se os tinha, onde estavam.
– Em lugar nenhum – ela respondeu com um manso sorriso. – Quando entendi o milagre que tem sido minha vida desde os doze anos, escolhi dedicá-la por inteiro Àquele a quem tudo devo.
– É claro, é claro! Minha filha tem feito o mesmo, desde que ela e o esposo fizeram votos de se guardarem. No começo me opus, porque ainda não tinham me dado netos, mas fui convencida de que há recompensas maiores nos esperando nos céus. E teus pais, menina? Como está Jairo?
– Tornou-se diácono1 tão logo descobriu uma maneira de servir ao Senhor sendo casado.
– E tua mãe?
– É diaconisa. Pensei em seguir seu caminho, mas o bispo me dissuadiu e me enviou a pregar o Evangelho fora da cidade.2
– Sim, sim, recebi a carta dele.
Depois que ela, aos doze anos, teve a vida restaurada, seus pais foram perseguidos pelos fariseus. Temendo pela segurança da família, mudaram-se para Jericó, onde moram até hoje. Seus pais tiveram mais dois meninos depois dela; um deles se tornou bispo, enviado aos gregos, e o outro se casou.
– Como têm sido as coisas aqui? Pedro e Ana aparecem?
– Ana, sim; ela raramente sai da Galileia. Pedro não vem aqui há anos. Se não me engano, está em Antioquia3. Mas deixa eu te mostrar teu quarto, para deixar tuas coisas.
Ela seguiu a senhora, não sem soltar um risinho. Seus pertences estavam todos dentro de um pequeno saco. Desde antes de seguir sua vocação, acostumara-se, por escolha, a viver com poucas posses e confiar na providência divina.
Sara perguntou, ainda por Zaqueu, que acolhera sua família quando chegaram a Jericó e lhe contaram o motivo de sua fuga de Cafarnaum, e por outras pessoas da região que ela conhecia. Por fim, inquiriu a respeito de sua missão.
– Não é perigoso ires sozinha à casa de Aurélio?4
– O bispo me assegurou que fui escolhida pelo Espírito Santo de Deus. E Aurélio tem fé; meu trabalho é, por assim dizer, terminar o que foi começado por Cristo.
Vinte anos atrás, na mesma época em que ela foi curada, um centurião romano pediu que Jesus Cristo curasse seu servo, numa demonstração de fé que se espalhou pela cidade. No entanto, para se manter em Cafarnaum, Aurélio pediu que o milagre não fosse divulgado entre seus colegas, a quem disse que a saúde de seu servo teria sido dádiva de Apolo. Teve sucesso, e ele ainda residia na cidade, ajudando o ministério do Senhor de forma secreta.
A tarefa de Débora consistia em trazer a fé de Aurélio à luz, a fim de que ela se espalhasse entre os romanos.
Arrumado o seu quarto, as duas mulheres cearam, e Débora descansou.
A manhã seguinte sinalizava que seria um dos raros dias nublados do ano. Ela sorriu; a chuva era sempre bem-vinda.
Logo cedo, partiu para a casa de Aurélio, a mesma de duas décadas atrás. Encontrou-o lá mesmo, para sua surpresa.
– Pensei que estarias em teu posto – comentou após os cumprimentos e as apresentações.
– Obtive uma dispensa de um mês, cortesia de meus joelhos desgastados. Dize-me, menina, que fazes aqui?
Ouvira do bispo que Aurélio era um homem direto e sucinto, desacostumado a rodeios e trivialidades. Portanto, ela não o poupou:
– O Senhor, por meio de seu Santo Espírito, enviou-me para te transmitir uma mensagem: é finda a hora de viver tua fé nas sombras.
O velho romano, que se levantara para recebê-la, sentou-se e chamou sua esposa, Lívia. A mulher apareceu, e os dois ouviram as palavras de Débora.
– Vós tendes ajudado o ministério de Cristo de maneiras fabulosas, com dinheiro, alimento e materiais. Entretanto, o Senhor quer vossas palavras, vossa luz. Já conheceis a Verdade; resta-vos levá-la ao vosso mundo.
– Muitos dos seguidores de Cristo têm feito isto – Aurélio replicou. – Sei que alguns já foram mortos, por judeus e romanos igualmente, mas não faltam discípulos e apóstolos.
– Teu pensamento está errado – Débora insistiu. – É o contrário: a messe é grande, imensa, e os operários são demasiado poucos.
O casal trocou olhares e suspirou ao mesmo tempo.
– Minha cara – Lívia se pronunciou –, adoraríamos cumprir a vontade do Senhor de pronto, mas algo nos impede.
– Alguém nos impede – Aurélio corrigiu. – Nosso único filho, Lúcio, recusa-se a crer no único Deus. Insiste em adorar os deuses de nossos pais. Será o primeiro a nos denunciar, e nossa missão será curta e infrutífera.
Ela quis responder que, se uma pessoa se convertesse, seria o bastante, mas viu uma oportunidade.
– Mandai-o a mim, então. Talvez seu filho não tenha abraçado a Verdade por não a conhecer adequadamente. Deixai-me mostrá-lo a beleza da vida em Cristo.
Pensou que relutariam; foi positivamente surpreendida.
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