Antes de abrir os olhos, sentiu primeiro o frio da cabine. O congelador não seria desligado de uma vez, conforme avisado, mas aos poucos.
Ao contrário do projeto original, porém, tinha o alívio de estar vestido com um traje especial. De início, acharam que seria mais conveniente se todos entrassem nus, mas todos os participantes protestaram contra a ideia, o que forçou os desenvolvedores a elaborar uma roupa específica para viagens espaciais de longuíssima duração.
No caso específico deles, cinco anos.
Quando ouviu a porta da cabine destravar, abriu os olhos e, não sem um certo esforço, levantou-se e saiu. A cabine se assemelhava a uma cápsula, com espaço para somente uma pessoa, e dispunha de sistemas e botões para emergência (por exemplo, caso alguém acordasse antes de chegar ao destino).
Outras pessoas foram saindo de suas cápsulas, e uma voz robotizada os convidou, em vários idiomas, a seguirem as luzes roxas, que indicavam o caminho para a sala de comando. Ele inspecionou seu traje, à procura de rasgos, até ouvir uma voz demasiado familiar:
– Vai ficar aí o dia todo?
Ergueu o olhar e viu Amanda.
– Talvez – ele retorquiu. – Que isso importa?
– Para mim, nada.
Era mentira. Ele sabia disso porque, se trocassem de posição, tal frase também seria mentirosa saída de seus lábios.
– Então vá à frente.
Ela soltou um suspiro irritado e saiu. Sem necessidade real, esperou mais alguns momentos e seguiu as luzes roxas.
De toda a tripulação, Amanda era a única que falava sua língua, tornando sua companhia essencial à viagem.
Amanda também era sua ex-esposa, tornando-a a pessoa que ele menos queria ver.
Quando se casaram, Raul e Amanda tinham namorado por seis meses. Todos disseram que era muito pouco tempo para terem certeza de que queriam ter um ao outro em suas vidas pelo resto de seus dias. Eles não lhes deram ouvidos.
Com dois anos de casados, surgiu o programa interplanetário de exploração da Terra. O planeta-berço da humanidade fora abandonado dois milênios antes, depois que previsões de desastres naturais de proporções globais foram feitas, e a galáxia mais próxima, Alpha Centauri, foi terraformada. (E claro, descobriu-se como viajar à velocidade da luz.)
Entre a inscrição e a viagem em si, seis anos se passaram. Neste período – mais precisamente, pouco após as bodas de sete anos – o casal optou por se separar, não mais aguentando as brigas constantes.
A chama que os unira tinha se apagado. Finda a paixão, sobraram os defeitos e as desavenças. Havia bons e belos momentos, sim, mas era muito poucos para sustentar a relação.
No entanto, além de escandaloso, o divórcio era um procedimento caro e burocrático. Quando conseguiram dar entrada no processo, foram chamados para integrar a expedição rumo à Terra. Nenhum queria perdê-la, e o divórcio poderia lhes custar a viagem; concordaram, pois, em adiar o divórcio. Aos olhos da galáxia, ainda eram casados.
Uma pena que a realidade fosse tão distinta.
Ele não se lembrava de um detalhe: não seria a espaçonave maior a adentrar a atmosfera da Terra, mas sim uma acoplada a ela, de dimensões bem menores, porém mais resistente ao turbulento pouso.
Não receberam nenhum sonífero nesta parte final; ao contrário, puderam acompanhar tudo por um grande telão enquanto a nave descia ao solo terráqueo. A vista era belíssima: tendo vivido num planeta com mais solo e rocha que água, ver oceanos tão vastos era de tirar o fôlego. Olhou de relance para Amanda; estava igualmente deslumbrada.
Conforme programado, pousaram no continente intitulado América. Porém, ao seu ver, pareceu que a nave errou o ângulo do voo, pois iam direção à porção sul do continente, mais estreita que a do norte. Mesmo assim, o pouso transcorreu sem maiores problemas.
Depois de arrumarem por completo, um dos tripulantes – proveniente do planeta vizinho ao seu – acionou o botão de abertura da porta. Sentiu uma mão apertar a sua e se virou para Amanda. Seus lábios tremiam discretamente, e seus músculos faciais se encontravam tensos. Segurou sua mão com força e a conduziu ao lado de fora...
Onde um exército armado os esperava.
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